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21 de novembro de 2011

A difícil vida de quem não sabe ler

Aos 35 anos, Sílvia traz consigo as marcas de uma vida sem perspectivas. Os poucos dentes que lhe restam estão estragados. Dentro da sua pequena bolsa estampada, o vácuo provocado pelo vazio dos batons, maquiagens e cartões de crédito, dava lugar a um documento de identidade. No lugar destinado à assinatura que legitima o registro geral dos brasileiros, inscrições garrafais reconheciam sua condição: NÃO ALFABETIZADA.

Sílvia Maria Gomes de Oliveira é apenas uma, dentre 464.968 potiguares com 10 anos ou mais de idade, que não sabe ler e escrever. O número posiciona o Rio Grande do Norte como o quinto Estado com o maior número de analfabetos, conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relacionados ao Censo 2010.

 Sílvia chegou a ser matriculada numa escola de educação infantil quando tinha sete anos, mas não cursou mais de 30 dias de aula. "Quando eu estava pronta para desfilar no dia 7 de setembro, minha madrasta me tirou da fila e disse que meu lugar era na roça. Ela dizia que eu iria crescer burra e estava certa", lamenta. Como consequência, ela relata que jamais teve boas oportunidades de emprego e viveu anos a fio subjugada a familiares e casos amorosos cujos frutos foram os filhos, sem nenhuma estabilidade. Das sete crianças paridas por Sílvia, somente duas são criadas por ela. "Ninguém quer contratar uma analfabeta. Como eu não tinha trabalho, tive que dar meus filhos. Não queria que eles morressem de fome", justifica.

 Ela é moradora de um dos bairros com o maior índice de analfabetos em Natal. Salinas, na zona Norte, tem 78% da população que não sabe ler  e escrever. Além disso, a comunidade desponta com o menor rendimento nominal médio mensal, com o valor de R$ 233,39. O montante é 14,73 vezes menor do que o bairro natalense com o maior valor de rendimento, Petrópolis, que apresenta R$ 3.439,69. Com renda mensal R$ 102 oriundos do repasse feito pelo Governo Federal através do Bolsa Família, Sílvia viu suas duas filhas mais novas serem levadas para uma das Casas de Passagem mantidas pela Prefeitura de Natal após denúncias de maus tratos. "Eu jamais bati nas minhas filhas. Não sei quem inventou esta mentira. Os fiscais levaram elas pois viram nossa miséria", afirma.


Rodrigo SenaMaria da Penha do Nascimento não foi à escola, os pais a obrigaram a trabalhar na agriculturaMaria da Penha do Nascimento não foi à escola, os pais a obrigaram a trabalhar na agricultura
A discrepância entre ricos e pobres, alfabetizados ou não, não se resume ao desconhecido bairro da zona Norte. Algumas ruas separam realidades opostas em bairros da zona Leste. Enquanto Petrópolis, bairro habitado em sua maioria por idosos aposentados, apresenta uma população alfabetizada de 98,5%. Em contrapartida, Mãe Luiza, cujas casas foram erguidas em cima de um morro e com um dos maiores índices de criminalidade, 86,5% dos habitantes são considerados alfabetizados.

 De acordo com o chefe do Setor de Disseminação de Informações do IBGE em Natal, Ivanilton Passos, a renda per capita está diretamente ligada ao índice de alfabetização. "A falta de programas eficientes que possibilitem a manutenção do alunado na escola, acaba refletindo no aumento da violência, na baixa capacitação de trabalhadores e, consequentemente, no desemprego ou subemprego dos analfabetos", destaca. Segundo ele, o Estado deveria investir mais na qualificação dos jovens e na educação infantil, visto que a taxa de natalidade diminuiu na última década.

 Além disso, Ivanilton Passos considera que a falta de políticas urbanas eficientes inviabiliza o desenvolvimento educacional e econômico das classes pobres, a começar pelos mais novos. "Não teremos boas perspectivas para as crianças que se encontram nos bairros pobres. Visto que, a renda  da família é uma importante condição para o bem estar e futuro das crianças, adolescentes e jovens", ressalta. Justamente a falta de perspectivas enquanto criança e o distanciamento da escola e das letras, conduziu Sílvia à Câmara dos Vereadores na quinta-feira passada. "Vim à procura da ajuda de um vereador. Será que ninguém fala comigo porque sou assim, analfabeta?", indaga.

Bairros ricos têm menos analfabetos

Comparados os índices dos bairros com a maior e menor taxa de alfabetização nas pessoas de 10 anos ou mais de idade, a diferença chega a 21,5 pontos percentuais. O bairro natalense com a melhor posição no ranking do relatório divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é Capim Macio, com 98,6%. Seguido de Petrópolis, Barro Vermelho, Tirol e Candelária. A pior posição ficou com Guarapes, na zona Oeste, com 77,1% do total populacional alfabetizado.

 Além de Guarapes, Lagoa Azul, Bom Pastor, Felipe Camarão e Salinas, apresentaram índices de alfabetização inferiores quando comparados com os demais bairros da capital. Os bairros campeões em números de alfabetizados abrigam habitantes cujos rendimentos nominais médios variam entre R$ 3.439,69 (Petrópolis) e R$ 2.219,94 (Candelária). O mesmo valor, nos bairros pobres, varia de R$ 402,89 (Lagoa Azul) a R$ 233,39 (Salinas).

 O rendimento nominal médio mensal de Petrópolis é  14,73 vezes maior que os valores apresentados pelo bairro Salinas, na zona Norte. De acordo com Ivanilton Passos, chefe do Setor de Disseminação de Informações do IBGE, os bairros que apresentaram os piores indicadores estão situados nas regiões, Norte e Oeste, cuja ocupação ocorreu sem organização na última década.

 "O crescimento demográfico sem regulamentação da questão fundiária urbana, principalmente, da capital, continua sem controle do uso e ocupação do solo", comenta Ivanilton Passos. Além disso, o funcionário do IBGE critica a corrida capitalista imobiliária pela qual Natal tem passado ao longo dos últimos anos. "A especulação imobiliária inviabiliza, a cada década, a cidade de Natal como moradia  dos mais pobres em detrimento do mercado elitista e especulativo", destaca.

 A mestra em Educação, Justina Iva, afirma que as maiores taxas de analfabetismo se concentram nos bairros mais carentes por uma série de fatores que impedem o desenvolvimento socioeconômico da comunidade, dentre eles a falta de acesso à rede básica de Saúde e a empregos com remunerações melhores. "Isto traz um prejuízo incalculável", afirma.

Memória

 Em nível nacional, o Distrito Federal  é o que apresenta o maior índice de alfabetizados, com 96,7% da população sabendo ler e escrever. Em seguida vieram Santa Catarina (96,1%), Rio de Janeiro e São Paulo (95,9%) e Rio Grande do Sul com 95,8% da população alfabetizada. Alagoas ocupa a última posição do ranking com 77,5% da população alfabetizada. A diferença entre o Distrito Federal e o Estado nordestino é de 19,2 pontos percentuais.

 Nenhum dos estados nordestinos ficou entre os que tem o menor índice de analfabetos. O Rio Grande do Norte é a quinta unidade federativa com o maior percentual de analfabetos do país, 17,4%, o que corresponde a 464.968 potiguares com 10 anos ou mais de idade. O RN ficou atrás somente do Maranhão com 80,7% de alfabetizados, Paraíba (79,8%), Piauí (78,9) e Alagoas, com 77,5% da população que sabe ler e escrever.

Dona de casa relata dificuldades

Dentre as 1.693 pessoas apontadas no relatório do IBGE como analfabetas no bairro de Mãe Luiza, está a dona de casa Maria da Penha Silva do Nascimento, 47 anos. Diferente de Sílvia, moradora da zona Norte, Maria da Penha jamais foi matriculada em nenhuma escola da Paraíba, Estado no qual nasceu. Ambas, porém, foram obrigadas por familiares a trabalharem  nos roçados em detrimento de uma formação educacional básica.

  "Passei por muitas dificuldades na minha infância. A pior de todas foi a impossibilidade de aprender a ler e a escrever", comenta. Somente após vários anos, com os três filhos criados, ela decidiu voltar aos bancos da escola. Hoje, reconhece algumas letras e lê com dificuldade. Mesmo assim, se considera analfabeta pois não compreende um texto ao ponto de interpretá-lo com suas próprias palavras ou escrever um parágrafo a partir de um tema.

 A dona de casa destaca que, nos dias atuais, as dificuldades não são as mesmas do passado e só não se educa quem não quer. Todos os filhos dela estão matriculados em escolas públicas e aprenderam a ler e escrever.

 O analfabetismo em Mãe Luiza, porém, não se restringe aos adultos ou idosos. Aos 11 anos, aluna do quinto ano do ensino fundamental, Mariana (nome fictício), admite não reconhecer as letras unidas e formar palavras. "Eu tenho dificuldade de aprender quando a professora ensina. Ainda não sei ler e aprendo devagar". Para ela, o colorido dos livros e revistas encanta, enquanto as palavras se transformam num enigma subjugado à mudança da página e à chegada da próxima gravura.

 Para Justina Iva, situações como a de Mariana são inadmissíveis. "Isto é de causar indignação a quem reconhece a importância de se iniciar uma vida escolar com a educação infantil. Isto, inclusive, faz a diferença em relação ao desempenho. É um dos fatores que fazem com que exista a diferença entre o que é ensinado na escola pública e na escola particular", destaca.

Bate-papo

"Índices do analfabetismo funcional são ainda maiores"

Do seu ponto de vista, a Educação é um desafio nacional?

Sim, ainda é um desafio. Primeiro porque quando dados relacionados ao analfabetismo são trazidos pelo Censo, não temos com clareza qual analfabetismo está se tratando. Nós temos dois aspectos relacionados à natureza do analfabetismo: a incapacidade absoluta de ler e escrever, que é a falta de letramento comum àqueles que nunca foram à escola, que são os analfabetos absolutos. Mas também existem os analfabetos funcionais, que inclui aqueles que frequentaram as quatro séries iniciais do ensino fundamental, que assinam o nome e traduzem alguns códigos. Mas não conseguem interpretar, explicar ou elaborar um texto. Se o IBGE perguntasse sobre o analfabetismo funcional, estes índices seriam mais elevados.

O que caracteriza um analfabeto?

 Quem realmente somente frequentou as séries iniciais do ensino fundamental, não se pode dizer que tem a capacidade de interpretar, de elaborar, de ler o mundo e fazer análises. Estas pessoas são, de fato, analfabetas.

A desigualdade social contribui para a disparidade entre alfabetizados e analfabetos. Em Natal, isto se evidencia em bairros menos favorecidos como os da zona Oeste. Por qual razão?

 Estes bairros concentram os indicadores sociais menos favoráveis. Os índices de analfabetismo mais altos nestas áreas, não constitui um fato isolado. Então, é um contexto complexo. Estes bairros tem os piores indicadores sociais na questão da violência, exploração sexual infanto-juvenil, doenças. Estas pessoas são, também, as que tem os menores rendimentos. Não porque são analfabetas apenas. São várias circunstâncias, dentre as quais se inclui a questão do analfabetismo.

Está tudo bem, menos a Educação?

 Não. A Educação tem a ver com a questão subjetiva que consiste na capacidade de aprender, na forma de ensinar, no desempenho do professor. Mas também tem a ver com as questões objetivas. Se as condições que cercam ou que estão no entorno deste escola, as condições familiares nas quais este aluno está inserido são desfavoráveis, isto vai repercutir também no desempenho escolar, na capacidade de aprender. São fatores exógenos que estão fora da criança, mas que estão ao seu redor e interferem no aprendizado.

Além disso, uma ação mais eficiente do poder público?

Claro. Da mesma forma que a falta de um olhar mais direcionado do poder público para as áreas mais necessitadas, sobretudo voltadas para os que menos tem. Esta, porém, não tem sido a regra.

É por isso que existem tantas crianças fora das escolas?

 Isto é de causar indignação a quem reconhece a importância de se iniciar uma vida escolar com a educação infantil. Isto, inclusive, faz a diferença em relação ao desempenho. É um dos fatores que fazem com que exista a diferença entre o que é ensinado na escola pública e na escola particular. As crianças que vão para a escola privada, passaram pela pré-escola de boa qualidade. O acesso das crianças às escolas a partir dos quatro anos é um direito assegurado. Bastava que a população fosse organizada e conhece seus direitos. Falta compromisso e responsabilidade dos gestores da Educação.

E isto se evidencia nas áreas mais carentes das cidades?

 Sim, é por isto que nas áreas periféricas os índices de analfabetismo são maiores. São pessoas que sequer tiveram acesso à escola nos seus primeiros anos de vida. Isto traz um prejuízo incalculável. Porque o saber e a aprendizagem é um processo acumulativo e quando começa tardiamente, aparecerão dificuldades que impedirão o avanço, a assimilação do aprendizado.

Por que tantas dificuldades em relação à Educação no Brasil?

 Eu trabalho com a seguinte hipótese: a Educação no Brasil nunca foi prioridade. Ocorreram alguns avanços, mas ainda não é prioridade. Não interessa aos governantes, aos parlamentares, priorizar a educação. Quanto menos educado um povo, quanto menos capaz de fazer análises da sua realidade, da postura que assumem seus representantes, mais esse povo é manipulado e que não faz leitura política. Há uma frase de Otto de Brito Guerra que diz: "A cultura na mão do povo é uma arma". Só o analfabetismo gera tamanha acomodação numa população.

É possível pensar em progresso sem Educação?

 De jeito nenhum. Historicamente, nenhum país que deixou de investir em educação com seriedade, progrediu. Se não se investir em Educação, Guarapes, Bom Pastor, Mãe Luiza, viverão na mesma situação.

A Educação é capaz de mudar o mundo?

 Só a Educação não. Por si só, ela não capaz de mudar o mundo. Mas, sem ela, essa transformação não virá. Ela pode não ser uma condição suficiente, mas é uma condição necessária. Sem Educação, este país não mudará positivamente e se transformará negativamente.

Tribuna do Norte
POSTADO POR EDJANE MACEDO

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